Se você é onívoro provavelmente a carne é um produto que faz parte semanalmente, ou até mesmo diariamente, das suas refeições, seja por meio da carne branca ou vermelha. Mas você sabia que estão sendo desenvolvidos alimentos alternativos a carne convencional com o intuito de proporcionar o mesmo sabor, segurança e nutrientes? É o caso da carne cultivada, por exemplo.

Mas espera aí, o que é carne cultivada? Basicamente é uma carne feita em laboratório por meio da célula tronco de um animal vivo. Ficou interessado? Quer saber um pouquinho mais? Então se liga no próximo parágrafo que vou explicar para vocês.

O processo de produção da carne cultivada ocorre por meio da retirada de um pequeno pedaço do tecido muscular de um animal adulto. Esse tecido é composto por diversas células, mas a que tem recebido maior aderência ao processo de produção da carne cultivada tem sido as células satélites. Essas células são isoladas e conduzidas a um biorreator, onde são cultivadas por meio de um soro rico em nutrientes, sais e hormônios de crescimento. O biorreator mantém todas as condições fisiológicas de um animal que são necessárias para o cultivo das células satélites. Nesse processo, as células se aderem a micropartículas feitas de substancias como alginato e colágeno, no qual por meio disso ocorre a multiplicação celular e o aumento da massa até atingir uma quantidade considerada adequada. Posteriormente, ocorre a diferenciação celular, no qual as células se diferenciam e formam miotubos (fibras musculares). Por fim, ocorre a maturação dos miotubos, no qual um estimulo mecânico ativa o crescimento e a organização das fibras musculares, no qual posteriormente essas fibras musculares maduras são colhidas e misturadas a outros ingredientes a fim de chegar a carne não estruturada, como hamburgueres ou almondegas.

Interessante, né? Mas espera aí, isso não é algo perigoso? Não, todo o processo de cultivo é feito em um ambiente controlado e com analises de qualidade e segurança técnica e cientifica, deixando a carne cultivada com baixos percentuais de risco à segurança humana. Vale lembrar que a produção da carne convencional também traz alguns riscos a segurança alimentar, mesmo que baixos, como a contaminação da carne e a propagação de alguma doença, como a salmonela.

Mas e o sabor e os nutrientes da carne? São os mesmos? As pesquisas indicam que o sabor da carne cultivada é semelhante ao da carne convencional, e as pesquisas tem se desenvolvido para deixar o sabor cada vez melhor. Além disso, os nutrientes da carne são preservados.

E só é possível produzir hambúrgueres e almondegas? Por enquanto sim, mas de acordo com o criador da carne cultivada, Mark Post, é apenas uma questão de tempo e de mais pesquisas para que seja possível produzir qualquer tipo de carne por meio do cultivo celular, como uma deliciosa picanha.

E por que eu escolheria a carne cultivada no lugar da carne convencional? Não é melhor continuar com a que eu já conheço?

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura o consumo de carne tenderá a aumentar cerca de 73% até 2050, o que tornará a produção da carne insustentável da forma como conhecemos atualmente e se faz necessário a busca por meios alternativos de produção e consumo da carne (Gerber et al., 2013).

De acordo com um estudo cientifico a produção da carne cultivada poderá reduzir cerca de 7 a 45% o consumo de energia, 78 a 96% propagações de gases do efeito estufa, 82 a 96% o consumo de água e 99% a ocupação de terras (Tuomisto & Teixeira de Mattos, 2011).

Além disso, esses recursos estão se tornando cada vez mais problemáticos na sociedade contemporânea e, consequentemente, mais caros, o que também reflete nos preços da carne convencional ofertada ao consumidor final, deixando os consumidores de baixa renda cada vez mais distantes desse alimento, se tornando mais do que uma causa ambiental, mas também social, econômica e competitiva.

E não podemos esquecer dos animais também, não é? A produção da carne cultivada permite o fim da criação de animais em massa para o abate e, consequentemente, a redução de ferimentos físicos e psicológicos que podem ocasionar desse processo de criação, além da redução do uso de antibióticos em massa nesses animais, caso que preocupa os pesquisadores da área da saúde devido ao risco de mutações de vírus mais resistentes e perigosos.

E a economia? O mercado de produção? Como ficam? Com a chegada de uma nova carne para consumo e novas startups no ramo, teremos mais inovações e concorrências no setor, sinalizando impactos positivos para o mercado. Até mesmo pequenos países terão oportunidades de produção dessa nova carne em maior escala, o que deve elevar a preocupação de países como o Brasil, um líder de exportação de carne, para acelerar as pesquisas e desenvolvimentos e se tornar um produtor e exportador de referência desse produto para não sofrer economicamente.

E o mercado de trabalho no setor? Não haverá uma demissão em massa com a entrada dessa carne? Assim como em todas as áreas, a tendencia é que o setor de produção de carne se torne cada vez mais tecnológico. Portanto, se você já trabalha ou gostaria de trabalhar na área, a chave é investir cada vez mais em sua formação tecnológica. O trabalho humano não irá acabar, mas ele será cada vez mais ressignificado, assim como em todos os campos, deixando o trabalho mais braçal de lado para dar lugar ao trabalho mais tecnológico.

Muito interessante, né? Mas como eu faço para encontrar essa carne? Diversas empresas do mundo inteiro estão em fase de pesquisa e desenvolvimento para a aprimorar o processo de produção da carne cultivada e buscar a aprovação junto ao governo, mas apenas Singapura já aprovou a comercialização do produto no país. Países como Estados Unidos e Israel também tem investido nessa inovação e estão em fase de estruturação do projeto de aprovação junto ao governo e a expectativa é a de que o produto seja aprovado em breve.

No Brasil, a BRF anunciou recentemente a parceira com uma startup israelense para a produção da carne cultivada no país, e a expectativa é a de que o produto esteja no mercado brasileiro em 2024 a preços competitivos com a carne convencional.

Enquanto o produto não chega as nossas mesas, ficamos apenas na expectativa e acompanhando os avanços da ciência pelo mundo no aguardo de provar a nossa primeira carne cultivada.

Depois dessa criação impressionante, qual será a próxima inovação que a ciência nos proporcionará conhecer, hein?

REFERÊNCIAS

Bhat, Z. F, Kumar, S., & Fayaz, H. (2015). In vitro meat production: Challenges and benefits over conventional meat production. Journal of Integrative Agriculture, 14(1), 241–248.

Silva, C. P. (2021). Que tal uma carne cultivada? O efeito do apelo de sustentabilidade, da consciência do consumidor e do contexto de consumo. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Administração, do Setor de Ciências Sociais Aplicadas.

Chriki, S., & Hocquette, J. F. (2020). The myth of cultured meat: a review. Frontiers in Nutrition, 7.

Gerber, P.J., Steinfeld, H., Henderson, B., Mottet, A., Opio, C., Dijkman, J., Falcucci, A. & Tempio, G. (2013). Tackling climate change through livestock – A global assessment of emissions and mitigation opportunities. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), Rome.

Post, M. J. (2012). Cultured meat from stem cells: challenges and prospects. Meat Science, 92, 297–301.

Tuomisto, H. L., & Teixeira De Mattos, M. J. (2011). Environmental impacts of cultured meat production. Environmental Science & Technology, 45, 6117–6123.

Tuomisto, H. L. (2019). The eco‐friendly burger: Could cultured meat improve the environmental sustainability of meat products?. EMBO reports, 20(1).


Caio Silva DuMeio

Dados do autor:
Caio Silva, 25 anos, bacharel em Administração pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e mestre em Administração na linha de pesquisa em Estratégia de Marketing e Comportamento do Consumidor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em sua dissertação estudou o comportamento do consumidor em relação a adoção da carne cultivada e seu impacto sustentável. Tem interesses em temáticas de impacto social e ativismo de marca.

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